IVÁN ORIZAGA
MATERIAL EXTRA: Bastidores de “As avós são bruxas”
Nesta seção estão reunidas as colaborações que realizei para a página de Huitzilli Films no Facebook — também disponíveis no meu Instagram, onde explico um pouco sobre o processo criativo por trás da fotografia do curta-metragem "As avós são bruxas" (Yolanda Orizaga, 2018). Mais antes de comentar cada um dos stills, é importante destacar as referências visuais que a diretora me forneceu.
Os dois filmes de referência, cujo estilo visual se aproximava do que a diretora queria alcançar neste curta, foram "Чучело" (um filme soviético de 1984) e "Ladrão de bicicletas" (1948). A partir dessas duas obras, iniciamos uma conversa para acrescentar outras influências.
Como a história se passa em 1953, fizemos uma pesquisa sobre os tipos de planos usados no cinema mexicano da Era de Ouro (enquadramentos abertos e com pouco movimento). Inspiramo-nos em Emilio “El Indio” Fernández e em seu diretor de fotografia habitual, Gabriel Figueroa.
O desafio era criar uma imagem que transportasse o espectador para o México rural dos anos 1950, sem cair em clichês como o preto e branco ou o aspect ratio de 1.37:1. Por isso, combinamos estilos: enquanto a composição (enquadramentos e movimentos de câmera) se inspirou no cinema mexicano da época, a textura da imagem (paleta de cores e iluminação) buscou emular o cinema soviético dos anos 1980, cujas texturas são quase pictóricas.
Por questões de orçamento, não foi possível filmar em Super16mm — o cenário ideal. No entanto, embora o suporte de gravação tenha sido 100% digital em 4K, procuramos o tempo todo evitar a nitidez excessiva típica do vídeo digital moderno, buscando uma imagem suave e pouco saturada. Daí a escolha da Blackmagic Production Camera, que, combinada com lentes Zeiss Distagon, permitiu alcançar o tipo de imagem que a diretora desejava desde o início.
Cena da varanda

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5000ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 24mm
A primeira cena que filmamos foi a da varanda da casa, onde utilizamos uma lente de 24mm para os planos abertos e uma de 50mm para os planos fechados.
Desde a concepção do roteiro, a ideia sempre foi recriar visualmente a solidão e a melancolia, por isso havíamos planejado filmar as cenas externas pouco antes do amanhecer, a fim de preservar, tanto quanto possível, uma luz suave.
No entanto, devido a imprevistos de produção, começamos a filmar por volta das 8h da manhã, quando o sol já estava bastante forte. Para difundi-lo, recorremos a uma lona branca bem espessa que havia sido instalada como precaução para um possível dia chuvoso; sua espessura acabou sendo muito útil para alcançar a imagem desejada, pois, mesmo sem equipamento adicional, ajudou-nos a simular a temperatura e a suavidade típicas de uma manhã nublada.


Recreio A menina, a flor e a avó

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5000ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 50mm
Esta é a cena do recreio. Tivemos muita sorte ao filmá-la, pois o céu começou a nublar. Embora ainda houvesse um pouco de sol quando iniciamos as tomadas gerais (que depois tivemos de igualar na pós-produção), em pouco tempo o dia ficou completamente nublado.
Por isso, não foi necessário mais equipamento além de um simples refletor isopor de 1m x 50cm. O sol estava à direita da câmera, então colocamos a protagonista à esquerda para que seu rosto ficasse perfeitamente bem exposto, enquanto as outras meninas ficaram de costas para o sol. Assim, o rosto da antagonista ficou cerca de dois pontos e meio subexposto, o que nos permitiu explorar o clichê da antagonista sutilmente mais escura em contraste com uma heroína mais “luminosa”.
O refletor ajudou a recuperar meio ponto de luz, que, se mantido como estava, teria feito a imagem perder sua naturalidade.


Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5000ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 50mm
A cena com a menina, a flor e a avó foi filmada no mesmo espaço da cena do recreio. Na verdade, essa tomada não estava planejada, pois a diretora apenas dava algumas instruções à pequena atriz; mas como ela mesma interpretaria o papel da avó mais tarde, decidi aproveitar o momento para capturar essa interação avó-neta.
Alejandro Gómez, o assistente de fotografia, acionou a câmera e filmamos alguns segundos que acabaram sendo usados no corte final. A ausência de uma luz de olho (eye light) que desse vida ao olhar da menina se deveu justamente a esse momento de improviso — mas, como dizia Cartier-Bresson, é preciso aproveitar o instante.
Teria sido muito mais lamentável perder essa cena do que a luz de olho, porque no cinema, a narrativa é mais importante do que um detalhe técnico.

Saindo de casa

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5000ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 24mm
A cena da menina saindo de casa com a caneca de metal foi realizada com a mesma dinâmica das anteriores: aproveitando a luz natural. O céu havia se aberto um pouco e, na parte superior da imagem, já se podem ver áreas completamente azuis; mas, felizmente, algumas nuvens ainda cobriam e suavizavam o sol. Por isso, bastaram ajustes leves no DaVinci Resolve para igualar esta imagem às anteriores. As flores roxas que aparecem no canto inferior direito não estavam ali originalmente — foram uma contribuição do departamento de arte e, por mais simples que pareça esse detalhe, acredito que ajudou muito a enquadrar a ação.
Caminho rural
Originalmente, a cena seria filmada na estrada que aparece na segunda imagem. No entanto, percebemos que aquele local era muito movimentado. Tivemos sorte durante o scouting técnico, pois encontramos uma alternativa muito melhor: um caminho de terra que, além de reforçar a ideia do ambiente rural, ficava a poucos passos da locação principal — o que nos poupou de fazer um company move.

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5800ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 24mm
Nessa locação, continuamos trabalhando somente com luz natural, mas o trabalho fotográfico se concentrou principalmente na correção de cor.
O curta apresenta duas cenas muito parecidas filmadas nesse mesmo caminho de terra, embora representem momentos diferentes da história. O problema é que, como foram filmadas uma após a outra, não havia diferença visual entre elas.

Por isso, no DaVinci Resolve, optamos por realçar tons quentes em uma das cenas e levar a outra para tons mais frios — embora essa última não esteja exibida aqui, pois não há 'still' disponível.
Cena noturna

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 3200ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 32mm


Essa cena nos causou alguns bons apertos. Primeiro porque foi a última filmagem do dia: eram 11 da noite e todos estávamos exaustos — principalmente a menina (seu dia havia começado às 7h30 da manhã). Tínhamos acabado de filmar a sequência principal — a das bruxas —, e o departamento de fotografia recebeu o pedido de deixar tudo pronto o mais rápido possível, já que a pequena Brenda não queria mais continuar. Os pais dela, Maribel Gonzalez e César Montes de Oca, foram de grande ajuda: enquanto ajustávamos o equipamento, convenceram a menina a gravar a última cena.
Pra completar, começou a chover justo quando tínhamos acabado de posicionar um Fresnel 1K voltado para a janela. Tivemos de desmontar tudo rapidamente e colocá-lo sob o teto da varanda, apenas para iluminar as árvores e simular a luz da lua no plano aberto — um resultado que, entre nós, não me deixou nada satisfeito.
Sob pressão, em vez de seguir o plano de iluminação original, decidimos usar como key light um Kino Flo com tubos de luz do dia, a grelha e nada mais. O problema era que as paredes do local eram brancas, então a luz do Kino espalhava por todos os lados. Como não havia tempo para colocar bandeiras, pedi a Daniel Orizaga (key grip e gaffer) que usasse as próprias aletas do Kino para cortar a luz o máximo possível, enquanto Alejandro Gómez (assistente de fotografia e, por sinal, operador de câmera nesta cena) apagou dois dos quatro tubos para reduzir a intensidade.
Apesar de todo o esforço, não teve jeito: precisei fazer uma pequena correção na pós. O excesso de luz refletido nas paredes brancas, que fazia perder a sensação de uma iluminação lunar, foi atenuado com vinheta no DaVinci Resolve.
Por fim, junto ao still desta cena, incluo dois diagramas de iluminação: um mostrando como havia sido planejada originalmente, e outro como acabou ficando no resultado final.
Os trilhos do trem



Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ 5200ºK || ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 24mm y 50mm
A cena dos trilhos foi filmada em Calpulalpan, Tlaxcala, no dia seguinte ao da filmagem principal. Mais uma vez tivemos muita sorte, pois a luz e o clima estavam exatamente iguais aos de Españita no dia anterior.
Uma curiosa anedota é que o clima manteve a continuidade perfeita, mas nós é que falhamos: se alguém assistir ao curta com atenção, perceberá que, na cena anterior, a protagonista usa outro vestido, não veste suéter e o recipiente metálico que leva na mão é de tamanho diferente.
Graças à continuidade da luz e do ambiente, tratou-se de um erro insignificante, que passou despercebido pela maioria do público.
Incluo dois stills — o plano geral e o plano médio — além de uma foto dos bastidores.
A cozinha


Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 5400ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 32mm
Este é um excelente exemplo da importância da colaboração entre o departamento de arte e o de fotografia. A diretora queria que a cozinha da avó parecesse saída de uma pintura. Como o local originalmente tinha paredes brancas, era praticamente impossível que a fotografia, sozinha, conseguisse alcançar o resultado desejado.
O departamento de produção de arte então mandou pintar as paredes, construiu toda a cozinha e adicionou objetos de cena — principalmente utensílios de cozinha tipicamente mexicanos — conforme a paleta de cores estabelecida.
Enquanto o coordenador de arte, Ernesto Orizaga, trabalhava com os assistentes de ambientação, eu estava desenhando algumas propostas de iluminação para o set. Como não sabíamos quais seriam as condições climáticas no dia da filmagem, pensei em colocar um HMI de 5K apontado para a janela, difundido por uma seda Babenette 8x8.
Por questões orçamentárias, não foi possível alugar o HMI — mas, no fim, tivemos algo ainda melhor: um sol difuso e constante durante todo o dia de filmagem. Aproveitamos ao máximo, usando apenas um Kino Flo que, rebatido verticalmente contra uma parede branca (e um pedaço do teto, também branco), ajudou a reduzir o contraste e a recuperar detalhes nas áreas mais escuras. (É possível ver o diagrama de iluminação e as fotos dos bastidores.)
Para fazer o contraplano dos pais entrando na cozinha com a menina, recuamos o Kino e fechamos um pouco as aletas, o que nos permitiu manter o mesmo diafragma durante toda a cena.





Uma sala de aula rural
A personagem principal caminha à noite em uma sala de aula rural. Para conseguir esse “look” noturno, fizemos o balanço de branco da câmera a 3200 K. Usamos como luz principal um Kino Flo com tubos de luz do dia, suavizado com uma seda Babenette 8x8.
A “luz da lua” que entra pela janela e pela porta foi recriada com dois refletores Fresnel de tungstênio de 2 kW, aos quais aplicamos filtros CTB completos (como mostrado no diagrama de iluminação). Durante a pós-produção, o tom dos tijolos e o rosto da menina foram ligeiramente contrastados, para evitar a impressão de que tínhamos usado um filtro diretamente na câmera.
Na foto dos bastidores, é possível ver como o set estava originalmente e o papel fundamental da iluminação para dar à cena a atmosfera adequada.

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 3200ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 32mm


A porta mágica

Blackmagic Production Camera 4K || Apple Pro Res 422 HQ || 2800ºK
ISO 400 || Lente Zeiss Distagon 32mm
Este é o frame escolhido para o pôster oficial. Ele representa a transição do mundo real para o mundo mágico das bruxas. Nossa protagonista atravessa essa fronteira pela qual já haviam passado a Alice de Lewis Carroll, a Ofélia de Del Toro, os reis de Nárnia e tantos outros personagens.
Era uma cena visualmente desafiadora, especialmente diante das limitações orçamentárias. Durante as conversas com a diretora, tive muita dificuldade em propor soluções fotográficas: quão complexa deveria ser, por exemplo, a iluminação? Temia estragar uma cena tão importante.
“Não complique”, diz o cinegrafista Geoff Boyle em uma entrevista à CookeOpticsTV; “Lembre-se: cada luz a mais é um problema a mais”, dizia minha professora de Fotografia I, Dinorath Ramírez. Seguindo esses conselhos, escolhi o sempre confiável Kino Flo e um Fresnel de 1 kW. Aplicamos ¼ CTO ao Fresnel para deixá-lo um pouco mais quente e continuamos usando os tubos de luz do dia no Kino.
Balanceamos a câmera a 2800 K para que a luz de preenchimento ficasse mais azulada, criando maior contraste de cor em relação ao tungstênio. Difundimos o Kino com a seda Babenette, controlamos com uma bandeira de corte e colocamos um gobo para evitar que as vigas próximas ficassem superexpostas.
Esses poucos elementos, combinados com a máquina de fumaça, resultaram em uma imagem muito satisfatória, que — a julgar pelos comentários recebidos — encantou o público.

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Cena das bruxas
A composição dessa cena faz referência direta aos filmes de Emilio “El Indio” Fernández. Trata-se de um momento onírico, no qual brinquei novamente com diferentes temperaturas de cor. Usamos como key light o Kino Flo com seus quatro tubos de 5600 K, e como back light, um Fresnel de tungstênio de 1 kW.
Para o efeito de “luz da lua” entrando pela janela, colocamos uma fotolâmpada de 500 W (6000 K); e para o efeito de “brasas”, usamos uma lâmpada caseira de 100 W (cerca de 2500 K), que dava um tom avermelhado localizado, sem contaminar todo o back light, o que teria acontecido se tivéssemos colocado um CTO no Fresnel.
Por fim, usamos um gobo para atenuar a intensidade com que o Kino incidia sobre a ação principal. Embora essa área — onde a menina está diante da avó — devesse permanecer mais iluminada, a diferença em relação ao fundo (onde estavam as outras bruxas) chegava a cerca de cinco pontos de exposição: ou superexpondo a menina e a avó, ou perdendo as demais nas sombras. O gobo ajudou a diminuir esse contraste, criando uma transição mais natural da zona mais clara para a mais escura, permitindo que, mesmo com o foco na interação menina-avó, o público ainda percebesse a coreografia das outras bruxas, que enriquece a cena.
Agradeço à diretora Yolanda Orizaga e à Huitzilli Films pela oportunidade. Para acompanhar as novidades sobre o curta, visite a página de Huitzilli Films no Facebook.






